quinta-feira, 6 de julho de 2023

Deus está morto

  

Lembro-me do tempo no qual Deus existia

(eu queria ter continuado burro)

E acreditava que toda dor que eu sentia

Traria pra mim algo bom no futuro.


 Calma e segura era minha caminhada

Embora seguisse pra nenhum lugar

Com a simplicidade de uma ovelha conformada

Com um pasto macio e um pastor a lhe guiar.

 

Mas a natureza me fez um ser pensante

Que pra tudo nessa vida quer explicação

Não crê em nada, mas segue adiante

Guiado apenas pela luz da razão.


Não existem milagres, nem nada sagrado

Apenas de matéria orgânica sou composto

Até me provarem que estou errado

Apoio o filósofo: Deus está morto!

 

Velhas crianças

E se na verdade ainda formos crianças 
E tudo nessa vida for uma grande brincadeira? 
Será que haveria tempo e esperança 
De curarmos os traumas de uma infância inteira?

 E daqui um tempo, lembraríamos com boas risadas 
Como daquela vez que você caiu de bicicleta, 
 Que apesar da dor, sangue e lágrimas derramadas 
Não teve nada além de uma cicatriz na testa. 

 Sabemos que a vida não é assim, meu amigo 
As cobranças começam logo ao nascer, 
Desde a primeira hora trago comigo 
O grande peso do fardo que é viver.

quarta-feira, 23 de junho de 2021

O velho infeliz de sempre

Minha solidão é autossuficiente 
 A ela não interessa se estou só.
 Ela basta a si mesma. 
 Minha solidão é anti-matéria 
 Que preenche meu peito, 
 Mas deixa um enorme vazio.
 Ás vezes ela adormece, 
 Mas ao menor sinal de felicidade 
Ela desperta 
 E eu volto a ser o mesmo 
Velho infeliz de sempre

sábado, 4 de julho de 2020

A decisão de João Parado

Eram dez horas da noite de domingo quando João Parado tomou sua decisão. Bebeu uma dose de conhaque e saiu levando a garrafa ainda cheia. –Aquele velho safado vai ter que terminar a obra sem mim; resmungou. Pensou em escrever uma carta, mas pra quem? João Parado não tinha ninguém no mundo ou pelo menos ninguém que se importasse. Além de trabalhar como servente do pedreiro Rubão, um homem rude e sem modos, João lia e bebia muito. Conhaque era sua bebida preferida. Quanto aos livros, lia de tudo: romances, história, filosofia, religião, política... João sentia que, apesar do pouco estudo, sabia mais que qualquer professor da cidade. João Parado detestava esse apelido. As pessoas o chamavam assim por causa de seu jeito inerte, sem expressão. João não sorria, não ficava com raiva. Falava o necessário, sempre no mesmo tom. Nunca se sabia se ele estava alegre, triste, cansado... Estava sempre do mesmo jeito: parado. Não tinha amizades, nenhum tipo de relação. A não ser algumas prostitutas da cidade, com quem se encontrava uma vez por mês, quando recebia o salário. João procurava revezar entre elas, pra não correr o risco de se apegar a nenhuma. João gostava de assistir os canais de notícias enquanto estava bebendo. Embora nunca tivesse saído de sua cidade, gostava de saber o que acontece no mundo. Gostava de acompanhar a política. Ficava sempre inconformado com o caminho que a humanidade estava tomando, e nos últimos tempos estava sendo mais difícil. Estava frio naquela noite. João dirigiu seu velho Chevett por cerca de 30 quilômetros por uma estrada quase deserta até chegar à ponte que cruzava a represa. Escondeu o carro no meio do mato e sentou-se na beira da ponte, observando aquela imensidão. Aquela escuridão. Ele não sabia nadar, não gostava de água. Abriu a garrafa que levara consigo e tomou um bom gole. João percebeu um vulto. Alguém se movimentava no acostamento. Era um andarilho. Empurrava uma carroça e alguns cães lhe acompanhavam. Ao ver João sentado na ponte, se aproximou. Embora estivesse muito sujo e maltratado, tinha olhos bem lúcidos. Ele pediu um gole da bebida de João. Embora a última coisa que ele quisesse naquele momento era que alguém atrapalhasse seus planos para a noite, concedeu. Estava frio, o sujeito tremia dentro de suas roupas rasgadas, uma bebida forte lhe faria bem. João encheu uma canequinha de alumínio que ele trazia pendurada no bolso da camisa. Ele bebeu num gole só. O homem sentou-se. - Pra onde você está indo, perguntou João. - Pra lugar nenhum, respondeu ele. Sempre estou indo pra lugar nenhum, e nunca chego, mas eu já estive em algum lugar, antes de estar aqui. João não perguntou mais nada, mas ficou pensando como alguém podia viver assim, perambulando por aí, sem rumo, sem ninguém. O que o motiva a viver? Por que não desiste? Com certeza seria interessante discutir a vida com ele, mas João não podia. Não naquela noite, porque nada mudaria sua decisão. João Parado deu uma boa golada na garrafa, que já estava por menos da metade. e a entregou ao andarilho. Também entregou a chave do Chevett. Lembrou-se que trazia alguns trocados na carteira. Tirou-a do bolso, retirou seus documentos dali e a entregou também. Pulou daquela ponte sem lamentos, sem pesar. O homem se levantou, deu mais uma boa golada na garrafa e continuou sua caminhada para lugar nenhum.

Fregrefild da Irlanda

Fregrefild da Irlanda dormia abraçado com sua espada sobre o peito, pronto a reagir a qualquer ameaça. Pelo menos era isso que seus homens deveriam pensar. Ele sabia que um homem dormindo é vulnerável. Enquanto dormia algum inimigo, ou mesmo um aliado, poderia se aproximar sorrateiramente e cortar sua a garganta. Sua esposa, deitada ao lado, poderia enfiar uma adaga em seu coração, afinal, nunca se sabe as intenções de uma mulher. Motivos ela teria para isso. Aquele tinha sido um dia duro. Perdera a conta de quantas cabeças havia cortado, de quantos pulmões sua espada havia perfurado. Não sabia ainda quantos homens havia perdido na batalha, mas não havia mais nenhum cristão em pé e agora seus guerreiros descansavam merecidamente. Aquela terra onde repousavam, agora lhe pertencia. Era preciso defendê-la. Fregrefid da Irlanda aprendera a lutar com seu pai, que agora bebia e dançava com os deuses em Valhalla. Achava aquilo engraçado. Como podiam deuses beberem e dançarem, enquanto ele e seus companheiros matavam e morriam em seu nome? Seu pai contava história de guerras entre os deuses, sobre como se apaixonavam pelas humanas, sobre como sofriam por suas paixões. Talvez por isso não tivessem tempo para os humanos, não podiam proteger nem a si mesmos. Talvez não fossem mais fortes que ele e seus guerreiros. Eram questões complicadas, que lhe atormentavam bastante a mente, mas não podia compartilha-las com ninguém. Se seus homens soubessem que ele duvidava dos deuses, eles duvidariam dele. Era preciso parecer indestrutível, como os deuses. Novas batalhas sempre viriam. Talvez antes mesmo de o sol nascer. ¬¬¬

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Velho aos 20 e poucos

Se queres ter uma vida longa experimentes viver sozinho. Garanto-lhe que vinte anos te parecerão uma eternidade.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Poema esquecido

Eu quero um poema que celebre os mortos
Uma ode aos anjos caídos, sujos e tortos.
Contra as regras e dogmas, normas e leis
Que una brancos e negros, heteros e gays.

Eu quero um poema que celebre a imperfeição
de uma vida sem sentido, um ser sem coração.
Que enalteça as derrotas, as lágimas caídas
que relembre as desgraças, reabra as feridas.

Eu quero um poema que seja lido em funerais
Um hino dos fracos e pobres, de todos mortais.
que seja o tradutor de uma dor cosmopolita,
que traga em si o penar de cada alma aflita.


Mas o poema que eu quero jamais será lido,
pois, ao fim, até o poeta o haverá esquecido.